Embora dependente de ações em diferentes camadas e esferas de poder, o futuro das políticas penais será fortemente influenciado pela nova gestão federal que assumirá pelos próximos quatro anos. Foi para melhor entender e detalhar possíveis cenários que o LabGEPEN organizou um debate com representantes de presidenciáveis como a primeira atividade pública do I Seminário Internacional de Gestão de Políticas Penais, realizado na Universidade de Brasília nos dias 19 e 20 de setembro.
Confira aqui a íntegra da gravação.
Representantes de Ciro Gomes (PDT), Fernando Haddad (PT), Guilherme Boulos (PSOL) e Marina Silva (Rede) foram questionados sobre propostas para a área penal dos respectivos programas de governo por integrantes do LabGEPEN e pelo público. Também foram convidados representantes de Henrique Meirelles (MDB), Jair Bolsonaro (PSL) e João Amoêdo (Novo), que não enviaram resposta, enquanto o representante de Geraldo Alckmin (PSDB) informou que não poderia comparecer por conflito de agenda.
Nota técnica
O debate começou com a apresentação de nota técnica elaborada em parceria entre o LabGEPEN e o Observatório do Sistema Prisional da Zona Sul do Rio Grande do Sul. A nota analisou planos e propostas na área de política penal dos 13 candidatos registrados no Tribunal Superior Eleitoral. O professor Luiz Bogo Chies (Universidade Católica de Pelotas/LabGEPEN) apontou o descompasso entre as dimensões da questão penitenciária e a falta de importância dada pelas candidaturas, com propostas omissas ou insuficientes.
“O que marca o debate brasileiro em relação ao sistema penitenciário é tanto o pessimismo como o desânimo, assim como as medidas comumente apontadas para fazer frente a quadro instaurado se resumem, como regra, a insistir na adoção de velhas fórmulas que se provaram ineficazes: mais pena, mais cárcere. Outra marca expressiva é o constante uso da retórica e do populismo punitivo, e o panorama geral da maioria dos planos, lamentavelmente, não desmente, apenas reforça, esse diagnóstico”, disse Chies.
Apresentação
Nas considerações iniciais, os debatedores apresentaram as principais ideias que norteiam os programas de governo na área penal. Representando o PSOL de Guilherme Boulos, Marivaldo Pereira reforçou que o partido continuará lutando contra políticas que repetem “o veneno que está matando o paciente”. Ele afirmou que a prisão não é a principal forma de combater a violência, e que é preciso analisar onde está a raiz do problema: as causas sociais da violência.
Arthur Trindade, representante da Rede de Marina Silva, destacou que mesmo com pessoas comprometidas na formulação de políticas penais nos últimos anos, os avanços foram limitados. Ele destacou que a principal inovação no programa do partido é a ideia do protagonismo federal. “Não é só dinheiro, nem só gestão, trata-se de protagonismo, comprometimento do Palácio do Planalto para queimar parte do seu capital politico com o tema”.
Gabriel Sampaio, representante do PT de Fernando Haddad, também defendeu maior articulação da União e mencionou a necessidade de alteração da politica de drogas, de se repensar o papel do sistema de Justiça e de reforçar politicas públicas que tragam as classes sociais como questão de fundo. “É preciso encarar de frente a realidade de que o senso comum do punitivismo vem crescendo. Precisamos de um grande pacto para enfrentar o tema do punitivismo”.
Guaracy Mingardi, representante do PDT de Ciro Gomes, afirmou que a grande questão da área penal atualmente é o aprisionamento em massa, um tema que a União pouco pode influenciar considerando as estruturas institucionais atuais. “O empoderamento que é dado à segurança publica, e isso a segurança geral que se pede nas ruas, é muito pequeno. Na área penal, quem cuida são os estados e quem manda para lá [prisões] é o Judiciário”.
Perguntas
Em seguida, cada candidato respondeu a uma pergunta de integrantes do LabGEPEN, além de uma pergunta sorteada da plateia e uma pergunta enviada online a partir da transmissão ao vivo do evento.
O que o PT faria de diferente para implementar propostas que se repetem? Gabriel Sampaio disse que a questão penal demanda complexidade para ser enfrentada, especialmente porque reproduz uma estrutura social injusta que se reproduz há séculos. Afirmou que a efetividade viria da união setores sociais comprometidos com valores e afirmação de direitos. “Nada é feito sem um grande pacto federativo e institucional. Não adianta apenas a vontade do presidente de alterar a politica criminal. Isso demanda mudanças legislativas, mudanças no comportamento do sistema de Justiça e nas unidades da federação”, disse.
Questionado se o protagonismo federal proposto pela Rede é apenas político ou também institucional, Arthur Trindade disse que a ação do Planalto é uma condição necessária, porém insuficiente. Citou como proposta o redesenho político do governo com a criação do cargo de assessor especial para a área de segurança pública/penal, como ocorreu na área de política externa no governo Lula. “Talvez, levar o Conselho Nacional de Segurança Pública para lá, mas tem que avançar para o redesenho federativo. Do Sistema Único de Segurança Pública já está bem desenhado, mas em politica penitenciária ainda não”.
Abordando uma das propostas do plano de governo de Ciro Gomes sobre a transferência de presos para vagas ociosas no regime federal, Guaracy Mingardi destacou que essa não é uma solução para combater o superencarceramento, mas sim para se iniciar uma forma de tratar o grave problema das facções, que por sua vez é agravado pelo superencarceramento. “É uma forma de se começar a mudar. Mudanças legislativas podem facilitar muito as coisas, e inclusive muitas coisas também se resolvem com base na conversa”, disse.
Questionado sobre como o partido pretende operacionalizar a ideia de maior participação social na área penal, Marivaldo Pereira lembrou que o empoderamento da população via participação é importante para a melhoria dos serviços públicos, mas que na área penal, há uma forte resistência para se criar instrumentos nesse sentido. “Podemos incentivar com a distribuição de recursos de acordo com a criação e funcionamento desses órgãos, com um caráter vinculativo. O gestor tem que prestar contas do que foi levantado ali”, disse.
Os debatedores ainda responderam pergunta da plateia sobre como operacionalizar reformas para superação da seletividade e para assegurar a participação e controle social no sistema de justiça (57’30”). A pergunta enviada online indagava os candidatos sobre medidas concretas para promover o desencarceramento feminino, considerando o grande impacto que isso traz para famílias (1h14’25”).
Encerramento
Para o professor Chies, o debate conseguiu abrir a ‘caixa preta’ dos programas de governo para a área penal, revelando mais do que os planos oficiais registrados no TSE apresentam. “O fato de essas propostas não estarem já delimitadas nos documentos oficiais é um dado preocupante, porque já existe saber acumulado sobre o tema”, pontuou. Ele ainda sugeriu o alinhamento das propostas com a agenda elaborada pelo LabGEPEN no livro “Para Além da Prisão: Reflexões e Propostas para uma Nova Política Penal no Brasil”, que foi lançado durante o seminário.
Confira as principais frases dos candidatos nas considerações finais.
Marivaldo Pereira:
“A área prisional é a principal manifestação do racismo estrutural. O extermínio da juventude negra não existe no Congresso Nacional, só quando publica estudo na grande mídia, porque isso é muito distante da realidade do cara. É difícil fazer com que o parlamentar vote de acordo com as evidências. Se pudesse unir diferentes vertentes politicas em torno dessa pauta, que se faça. Precisamos de unidade para debater tema com base na racionalidade”.
“Quando o problema do PCC explodir, o Estado não tem a menor condição de lidar com ele. E o Estado está alimentando isso cada vez mais, encarcerando pessoas que não apresentam perigo à sociedade”.
Arthur Trindade:
“A Nova república fracassou com relação ao tema da segurança pública e da política penitenciária, não porque democracia é a causa, mas fracassou esse arranjo politico porque na foi capaz de promover respostas efetivas a esses problemas. Os custos sociais, econômicos são enormes, mas o custo politico está sendo cobrado agora, porque o medo é o maior combustível do ódio”.
“Precisamos melhorar a nossa capacidade de responder aos problemas. O problema não é mais ter diagnóstico, já temos muitos diagnósticos. Temos que construir capacidade de governança, de responder a esses problemas”.
Gabriel Sampaio:
“A política penal é a manifestação mais clara de tradição de desigualdade e racismo da sociedade. A política pública que foi reservada para o fenótipo que eu represento [negro] foi a politica penal”.
“A sociedade precisa discutir questão penal para superá-la. Superar o ódio afirmando direitos, e não negando direitos e alimentando germe do fascismo que está no meio social”.
Guaracy Mingardi:
“Precisamos de propostas concretas, não pode ficar só no blá blá blá. Como fazer isso? Esse é o negocio. Problema que encontramos muito, é o ‘e depois’? Tirou de lá [o preso], o que faz com ele? Precisamos acompanhar o jovem egresso, dar oportunidade para o cara sair dessa”.
“A questão do sistema prisional esta imbricada com tudo. O cutucão é que todos nós aqui estivemos no governo por vários anos, e não rolou nada. Precisamos evitar programas vagos demais, que obrigam a fazer esforço mas não adianta nada. Precisa dizer o que vai fazer e como vai fazer”.
Análise: Luiz Bogo Chies (UCPel)
Mediação: Felipe Athayde Melo (UFScar/LabGEPEN)
Entrevistadores: Renato De Vitto (Defensoria Pública - SP), Felipe Freitas (UEFS) e Débora Zampier (LabGEPEN)
A realização do I Seminário Internacional de Gestão de Políticas Penais foi viabilizada por meio do apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Fundo de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF).
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