O integrante do LabGEPEN, juiz da Vara de Execuções Penais e Corregedor do Sistema Prisional de Joinville (SC), João Marcos Buch, publicou artigo sobre novos cenários envolvendo o Covid-19 e o sistema prisional.
O artigo foi publicado na Edição 29 do boletim Fonte Segura, uma iniciativa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Confira aqui a íntegra do artigo:
Coronavírus e as prisões brasileiras: como agir?
Presos, familiares e visitantes são parte da solução e precisam ser considerados nas medidas de prevenção e tratamento. Medidas precisam ser razoáveis, levando em conta as recomendações das autoridades sanitárias e as peculiaridades do cárcere
João Marcos Buch
17 de março de 2020
A pandemia do novo coronavírus está expondo nossas fragilidades. No Brasil, ficou explícito a importância de um sistema público de saúde forte, mas vem sofrendo investidas para privatização, assim como a patente responsabilidade dos governantes em dar exemplo quanto às medidas de prevenção, a necessidade de maior empatia de parte da população que denota não perceber que o bem-estar de outrem reflete sobre si mesma, entre outras demonstrações de baixo compromisso social.
A forma como a prisão é compreendida também exemplifica essas fragilidades estruturais. Com análises genéricas, que desconsideram as dinâmicas e as condições internas desses locais, em muitos casos, as autoridades tomam medidas sobre a lógica da punição e não da saúde coletiva.
Desfazendo assim as impressões simplistas, como devemos agir?
Pessoas presas, familiares e visitantes das prisões são parte da solução, não são o problema. Elas precisam ser consideradas nas medidas de prevenção e tratamento. Por isso, as providências devem ser dialogadas previamente, de forma a obter a colaboração de todos.
Além disso, as medidas precisam ser razoáveis, levando em conta as recomendações das autoridades sanitárias e as peculiaridades do cárcere. Nesse sentido, é preciso reconhecer que as visitas nos estabelecimentos prisionais significam também, salvo raras exceções, abastecimento de alimentos, medicação e itens de higiene e limpeza. Suspendê-las irrestritamente é decretar fome, interrupção em tratamento e mais dificuldade de combater a transmissão do vírus por falta de materiais, além de gerar outros problemas.
Nesse caso, melhor seriam medidas como a análise do quadro de saúde dos visitantes ingressantes, medidas de higiene e fornecimento de máscaras, redução do número de pessoas ou rodízio dos visitantes em diferentes horários – para evitar aglomeração. No caso de visitante com sintomatologia do novo coronavírus, suspensão da visita, encaminhamento do visitante para rede de saúde e comunicação à pessoa presa; e, depois desses e outros procedimentos, se houver necessidade de suspensão da visita, que seja comunicado o tempo e o motivo, permitindo-se que os itens entregues pelos familiares possam continuar entrando, com os cuidados devidos. Estados como Piauí e Rondônia consideraram essas questões.
Esses aspectos precisam ser complementados por melhorias nas condições de higienização do ambiente, protocolos para identificação e tratamento de casos internos e rotinas que permitam que as pessoas permaneçam o menor tempo possível nas celas, em geral, superlotadas e cujo ambiente imprime contato muito próximo.
Com a mesma especificidade do tema das visitas, as saídas temporárias precisam ser abordadas. A decisão indiscriminada de suspensão em São Paulo já mostrou seus efeitos no dia de ontem (NR: segunda-feira, dia 16, houve fuga em presídios de São Paulo). Mais adequado seria dosar a saída e criar procedimentos de avaliação e separação das pessoas presas no retorno, como no estado do Maranhão.
Porém, isso ainda será insuficiente se não partirmos do contexto de superlotação e precariedade estrutural dos estabelecimentos, o que promove um quadro de maior vulnerabilidade das pessoas presas que já sofrem com ambientes insalubres, maior incidência de doenças – especialmente respiratórias, e baixa capacidade de serviços básicos de saúde. É necessário usar outras medidas de controle penal na situação de pandemia para pessoas que compõem o grupo de risco, como idosos e pessoas com doenças cardiovasculares, respiratórias e infectocontagiosas – entre outras, além de rever medidas para outros públicos como indígenas, pessoas com deficiência, mulheres, pessoas presas provisoriamente e outras que cometeram crimes sem violência. Minas Gerais determinou medidas levando em conta essas circunstâncias.
Para aqueles que já estão em fase final do cumprimento da pena, demonstram bom comportamento e têm autorização para trabalho externo, que seja permitida a continuidade do trabalho em prisão domiciliar, não realizando o recolhimento noturno no cárcere. E para aqueles que estão em liberdade com medidas de apresentação regular no fórum ou outro serviço público, que a apresentação seja temporariamente suspensa para evitar a circulação. Aqui temos o exemplo da Comarca de Joinville.
Se essas são medidas para reduzir a aglomeração nas prisões, é preciso também pensar na porta de entrada, evitando o ingresso desnecessário de pessoas. Deve-se priorizar a manutenção da prisão preventiva para os casos mais graves, decidindo por medidas cautelares ou liberdade provisória para os demais. Para Minas Gerais, isso é uma orientação.
Por último, dois pontos a destacar. O primeiro é a necessidade de diálogo, cuidados, orientações e condições de trabalho para servidores, também expostos ao cenário da pandemia e que precisam operacionalizar as ações. O segundo ponto é que cada plano de contingência estadual e federal deve se adequar à realidade da região, ao perfil de pessoas custodiadas em cada estabelecimento, ao perfil epidemiológico local e das características arquitetônicas da prisão. Isso pode gerar variâncias significativas nas regras a serem aplicadas se quisermos tratar esse assunto com a seriedade devida.
A pandemia do coronavírus é um contexto complexo, que pode colapsar as prisões e a sociedade como um todo. Cabe às autoridades do Executivo e o Judiciário agirem com responsabilidade, fundadas na dignidade humana e seu marco civilizatório. Decisões ruins ou mal comunicadas por parte do Executivo e do Judiciário deveriam ser causa de preocupação tanto quanto as medidas de contenção da propagação da transmissão do vírus.
João Marcos Buch
Juiz de Direito
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